Ida para creche. Sofrer por antecipação – sim ou não?

Hoje partilhamos um artigo da rubrica "Crescer com Amor", publicada quinzenalmente no Jornal Diário de Aveiro, escrito Ana Santos (mãe e educadora).

Artigo publicado a 28 de novembro.

 

"O artigo de hoje  surge em resposta à questão colocada por uma educadora de infância que desde o início do ano letivo observa nos pais dos bebés que frequentam a creche, muito sofrimento no momento da separação, ao deixar os seus filhos na creche.

 

Este sentimento, comum a tantas mães e pais é, em primeiro lugar, natural e saudável. O apego e o vínculo que criamos com os nossos progenitores, sobretudo a mãe, é fundamental, se não vital, para um bom desenvolvimento emocional e físico.

 

Nos nossos antepassados eram os bebés que mais choravam, quando a mãe se afastava, que sobreviviam. 

Quando o bebé chora no momento da separação não está necessariamente a querer dizer que não gosta da creche ou das cuidadoras ou que não está a ser bem tratado (ainda que seja essencial manter um contacto próximo com a educadora da sala, a fim de garantir que as necessidades emocionais e físicas do bebé estão asseguradas).

 

O bebé está sobretudo a dizer que quer a sua mãe, o seu porto-seguro. E ainda bem que quer. Pois significa que ela é mesmo um porto seguro. Mas há outro grande fator que influencia na hora da despedida: a noção de tempo. Os bebés, até cerca dos 3 anos, ainda não têm adquirida uma noção temporal, como a que nós, adultos, temos. O bebé vive o momento, ou seja se a mãe não está ele não compreende se ela volta daqui a cinco minutos ou não volta mais. 

 

Pode parecer angustiante, e na realidade é. Daí que seria favorável uma passagem pela creche de poucas horas por dia, sempre que possível, e ainda altamente recomendado que o número de adultos por bebé seja suficiente para atender às suas necessidades emocionais e físicas. 

 

Sabemos atualmente que o não atender de um choro, colo, necessidade de afeto pode causar sérios danos no desenvolvimento cerebral do bebé, e ao longo da vida, tanto ou mais que o não atender de uma necessidade física como o sono ou a mudança de fralda. Assim, de forma, a diminuir ao máximo estes danos é recomendada uma adaptação progressiva ao ambiente da creche, nomeadamente à educadora e cuidadoras que vão estar mais diretamente com o bebé.

 

A permanência da mãe /ou pai na sala onde o bebé passará os seus dias contribui em muito para dar confiança aos pais e consequentemente o bebé sentir aquele espaço e aquelas pessoas como próximas, aumentando a sua confiança e bem-estar. No entanto, vivemos tempos diferentes, e o aparecimento desta pandemia veio dificultar a permanência da família no contexto da creche.

Ainda assim podemos colmatar estas lacunas com a possibilidade da mãe poder ir amamentar o seu bebé à creche, ou simplesmente poder aproveitar esses momentos para lhe dar colo e sobretudo para o bebé sentir que a mãe está perto e que virá, quando ele precisar.

 

Podemos ainda colmatar essas lacunas usando os meios digitais como fotos e vídeos que a educadora pode enviar à mãe, mostrando como o seu bebé está bem, mas também telefonando quando o bebé estiver inconsolável ou manifestar muito mal estar. Todos estes fatores irão contribuir para aumentar a confiança da mãe no contexto da creche, pois saberá que se o seu bebé não estiver bem lhe vão ligar.

 

Durante este início de ano letivo tive ainda conhecimento de muitos contextos, cujos momentos de adaptação e largada/chegada de bebés à creche é feito no espaço exterior/pátio/jardim, facilitando assim a permanência dos pais neste momento, o que contribuiu significamente para o sucesso da adaptação e da tranquilidade de ambos: mães/pais e bebés.

 

“Mas o bebé adapta-se. São só alguns dias e depois passa. Depois já não chora” (podem ouvir por aí). É verdade. O ser humano, nomeadamente os bebés têm uma grande capacidade de adaptação, tanto a situações positivas como negativas.

Nós, adultos, somos os responsáveis por escolher a que situações queremos que se habitue e de que forma. E nem sempre chorar é a única manifestação de mal estar.

 

O bebé pode simplesmente deixar de chorar, passado alguns dias de iniciar a creche, porque percebeu que chorar não adianta.

Atenção, o bebé pode também deixar de chorar porque o contexto está a assegurar-lhe as suas necessidades e realmente se sente bem lá.

É importante manter o contacto próximo com a educadora, pessoalmente e através dos meios digitais, de modo a diminuir a ansiedade e sofrimento da mãe.

 

Só quando a mãe se sentir segura e confiante nas pessoas que vão cuidar do seu bebé é que este se sentirá seguro e confiante também. Podem não existir respostas ideais para responder, por um lado à necessidade dos pais irem trabalhar, e por outro às necessidades de apego e afeto, vitais para o bom desenvolvimento do bebé e bem estar presente e futuro, mas a boa vontade e a sensibilidade de todos os envolvidos podem fazer a diferença.

 

Flexibilidade e sensibilidade parecem ser as palavras de ordem para tornar possível este “ jogo de cintura” de responder às necessidades de pais e bebés em tempos difíceis como estes que vivemos. 

Flexibilidade nos horários e frequências, permitindo que pais que trabalhem em part time, possam passar algumas horas do dia com os seus bebés e as restantes horas deixá-los na creche, ou só alguns dias por semana (tendo em conta que na maioria dos contextos a frequência obrigatória é de 5 dias/semana, a totalidade  do dia), flexibilidade e muita escuta e colo também para as mães, cujo choro (às vezes visivel outras não) também precisa de ser acolhido e visto. E, na impossibilidade de garantir a solução ideal (existirá?) para o bebé e família, que seja feito tudo o que for possível pelos pais e pela creche, para garantir o melhor equilíbrio de todos.      

 

Convido os leitores a enviar as suas questões sobre parentalidade, educação e/ou crescimento, bem como sugestões de temas, para o e-mail anasantos@crescercomamor.pt e ver as suas questões serem o foco de uma das próximas publicações. "